domingo, 11 de julho de 2010

Três Letrinhas

são só três letrinhas

quase como um "piu"
se, se eu te olho
se se, se se...

e se é só carinho
nesse seu pé frio?
se eu der muita sorte, ai, ai, ai...
e se, e se?

eses pelos negros
aunque blanca píel
Santa Madalena
y los ángeles en el cielo

Si lejos de boca
cerquita de nadie
aún tengo tu marca
trozo de papel

cerquita de tierra
tán lejos del mar
barquito de papel
para no se ahogar

domingo, 8 de março de 2009

Processos de Fabricação 2

Luz azul de tv sem sinal iluminando a página parda, de papel reciclado. Bendito papel ecologicamente correto, cheio de ranhuras e elementos estranhos e escuros que lhe dão um aspecto... sujo?! O que será dos nossos antigos provérbios? Meu Deus... o que direi da minha musa, que outrora era alva como um papel?
Direi que está mais linda do que nunca. Mudou. Cabelos levementes mais curtos. Eu percebi, sempre percebo. Óculos novos. Ela se queixou pra mim que havia perdido os outros... mal soube o que responder. Disse que ela ficava linda de qualquer jeito, em meus pensamentos, mas no planeta Terra minha boca só se abriu para responder um atrasado "é..."
Depois riu de uma besteira que eu falei. Sentada na minha frente, eu o único da última fileira. Ela, a única da penúltima. Me distraio, me confundo e me pergunto se ela é mais bonita que sua silhoueta, ou é ao contrário. Silhoueta não tem boca carnuda, não tem cheiro. Silhoueta é sombra sólida.
Se tiver boca carnuda pra mim, eu beijo. Se tiver silhoueta, eu vejo. Mas se tiver só a sombra, desenhada no chão... aí eu deito.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Processos de Fabricação

Ela é esguia, bonita... tem uma voz que treme no final, como se perdesse a afinação, o que lhe dá um charme especial. Dessa forma, eu vejo a boca mais carnuda da faculdade abrindo e fechando, enquanto metralha palavras de um conhecimento decorado, provavelmente adquiridos na madrugada passada. Ah como eu queria ter passado a madrugada com ela...

Nesse momento outra pessoa me incomoda me fazendo voltar do transe. Essa pessoa me oferece um objeto metálico, foco da apresentação decorrente, a fim de que eu perceba de que material ele é feito. Com desprezo eu olho para trás, toco o objeto rapidamente com o meu indicador e em seguida torno a virar pra frente, a observar a minha bela colega. O rápido acontecimento então provoca um riso alto e incontido de uma quarta colega cinquentona, é verdade, que talvez tivesse percebido tudo.
Não liguei. Continuei admirando tamanha discrepância orgânica, um bolo de carbono, uma linda composição química, alva como uma porcelana...suas bochechas parecem ter sido aerografadas por Deus, com uma suave tinta rosa. Tênis. Calça jeans com cinto colorido, de pano, para quebrar a seriedade e também para marcar a sua vanguarda social: tenho observado que ela é cult... gosta até de Red Hot. Um dia ainda vou apresentar Counting Crows pra ela. Blusa sempre no limite da calça. Se ela se espreguiçar eu tenho certeza que me descontrolo e caio desse banco alto.
Cara de 18 anos, mas provavelmnete uns 20. Cabelo bem preto, amarrado em rabo de cavalo, o que que me faz imaginá-la nos meus sonhos mais sujos, correndo, toda suada, com os seios pontudos espetando o tecido fino de sua blusa; o rabo de cavalo balançando para um lado e para o outro, e tudo isso ocorrendo em camera lenta.
De repente uma espuma de poliuretano bastante cancerígena começa a se expandir dentro de uma garrafa pet, e tamanha é a sua velocidade e expansão volumétrica que ela forma uma grande geléia sólida e aerada, tomando quase que a totalidade da mesa do professor. Tal fato provoca grande curiosidade naqueles olhinhos cor-de-mel, escondidos atrás daquela grossa armação horizontal e ela passa do meu lado a longos passos com toda a sua graciosidade juvenil e deixa o cheiro mais doce do mundo em minha companhia...
Nesse momento toda a sala rodeia a mesa central e eu termino de escrever essas linhas. São 11:01h e meu dia enfim se inicia...

sexta-feira, 20 de junho de 2008



terça-feira, 22 de abril de 2008

Pituba III

Era 2007 mas tinha cara de 86. E mesmo assim, ninguém podia imaginar o dia-a-dia daqueles homens, que como já dizia a venerável bióloga que desempenha o papel de mãe para eles, cada um desses moços, até o mais frouxo deles, pode ser considerado um verdadeiro herói.


Que eram tardes salpicadas pelo rebento das ondas, levantadas pelo vento forte que dava ali, e que misturado esse salpico ao cheiro forte das algas secando ao sabor do sol, o famoso sargaço, essas tardes se tornavam praticamente um peso no corpo de qualquer um. E que essa sensação era tão forte, capaz de impedir qualquer movimento brusco ou qualquer ação que destoasse do bocejar freqüente, isso todos os freqüentadores daquela prainha sabiam.

Um sol que ainda não era fraco, a sobrancelha levemente salgada e o corpo flambado pelo intemperismo somavam àquela situação uma sensação que poucos sabiam descrever. No máximo poderiam comparar a algo parecido com o que era sentido na praia de Aratuba.

E o progresso não conseguiu mudar aqueles pescadores. Não. Talvez tenham sido eles que não conseguiram acompanhar o progresso. Eu só sei que eles até tinham um freezer, que ficava ligado com a energia de um gato, que disfarçado entre tantos outros que se alimentavam de sardinhas ali por perto, nunca foi um problema para a colônia Z-1. E esse freezer nunca, nunquinha entrou um peixe ali dentro. Antigamente, quando a pesca era farta, os homens do mar traziam a quantidade que era vendida. Hoje em dia eles trazem o que conseguem, e às vezes chegam a suprir as necessidades diárias dos fregueses e a deles próprios, que vêm secundariamente, é claro. E assim o friza se acabou sem nunca ter tido grande uso.

O fato é que nenhuma novidade vingou naquela colônia. Quando ali não era colônia de pesca ainda, quando os índios chamavam uma pedra parecida com uma canoa de Itaigara, os avôs desses pescadores encontraram a imagem de uma santa ali na praia. Não gostavam muito de novidade e tinham certeza que aquilo foi lixo de algum daqueles banhistas esporádicos e exóticos que passavam por lá. Mas deram o azar da história chegar ao ouvido do capitão da região, herdeiro daquelas terras. Ah... pra quê? Fizeram uma paróquia, chamaram de Da Luz, depois vieram as avenidas, e logo em seguida as ruas. A paróquia virou igreja, as casas viraram escolas de freiras. Os largos viraram praças e aquela linda praia virou lote. Veio clube da Europa, vieram mais ruas, veio cais. Vieram tantos veranistas, que para sagrar o império do progresso, só mesmo um parque com nome de imperador romano poderia explicar. E não era de se surpreender, que a uma altura daquela, em pleno regime militar, as ruas daquele bairro novo se chamassem pelo nome dos estados, salientando a unidade da nossa pátria amada positiva.

Os pescadores? Ah, esses não mudaram nada. Continuam no mesmo lugar de muitos anos atrás, localizados estrategicamente numa enseada calma, protegida por uma barreira de pedras que já não tem mais corais. E continuam fazendo a mesmíssima coisa. Só que agora, a gente não consegue mais olhar pra lá e saber que ali se encontra uma colônia de pesca, uma aldeiazinha de pescadores. Timidamente e através de uma plaquinha eles se intitulam pelo nome de “peixe fresco”.

E hoje em dia eles continuam sem gostar de novidade. Ah, é claro, com a exceção do aparelho celular, que desses aí tem mais de dois por cabeça de brasileiro. Mas eles ainda pescam de jangada e canoa, conquistam as suas mulheres com cerveja, vinho e galinha, e continuam achando que é muito doce morrer no mar... quem quiser ir lá ver com certeza será bem vindo. O Ioiô ou a Iaiá serão bem recebidos, e por eles com certeza irão saber o que são tardes salpicadas pelo rebento das ondas, levantadas pelo vento forte que dá ali, e que misturado esse salpico ao cheiro forte das algas secando ao sabor do sol, o famoso sargaço, essas tardes se tornarão praticamente um peso no corpo de qualquer um. E que essa sensação é tão forte, capaz de impedir qualquer movimento brusco ou qualquer ação que destoe do bocejar freqüente. E talvez, se o Ioiô se mostrar amigo e amistoso, ainda pode ouvir algumas histórias boas dali, como por exemplo do dia em que o primeiro índio passou uma tarde ali, e ao sentir esse ventinho quente, com gosto e cheiro de mar, chamou aquilo ali de pituba, sinônimo de bafo, sopro, exalação e maresia.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Domingo

Às vezes você se depara com um filme, ou até mesmo com um manual que diz algo mais ou menos como “Como conquistar uma moça em 3 encontros.” ou “Como fazer uma relação durar mais do que 3 encontros.” É ai, nesse momento, que você pensa: eu poderia ter escrito esse manual. Por que eu nunca pensei em escrever um manual como esse? Eu poderia estar ate ganhando um dinheirinho, o que não seria nada comparado com o aumento do meu ego quando alguém me reconhecesse na rua como o autor daquele livro incrível, de como se dar bem com as mulheres, cara, incrível, como é que você tem aquelas sacadas, e aquelas frases de efeito, que você diz na hora H... As meninas adoram! Pena que eu não sou tão bom assim, porque senão eu já teria ganhado algumas vezes ao invés de ter deixado todas aquelas meninas na porta de suas casas com um irritante gaguejar, é... sabe... é... é melhor você ir entrando...eu já vou indo...tenho uma prova amanha...

Mas aí você pensa: eu não tenho tempo pra essas coisas. Talvez se eu mudasse o horário de lavar a roupa, lavasse tudo em um dia de semana, depois do trabalho, lá pras 10 da noite, aí quem sabe a tarde do domingo poderia me render alguns momentos de reflexão e de inspiração. Mas depois de trabalhar o dia inteiro, todos os dias da semana, e de sábado, depois de acordar tarde no merecido descanso, sair para tomar uma cerveja com os melhores amigos, e voltar bêbado para casa e dormir feito um gato de armazém, e sucumbir como um balão apagado, só me resta as 16h do domingo para ir na lavanderia.

Mas mesmo assim eu me pergunto: e para que escrever um manual, se depois de alguém me reconhecer na rua como o cara que escreveu aquele livro legal, ou até mesmo aquela adolescente de 16 anos ler o seu livro e você acabar tirando a virgindade dela porque ela achou que melhor com você do que com outro, que não fosse tão bom assim, já que ia ter que ser com qualquer um mesmo, muitíssimo provavelmente alguém que ela não estaria amando e tampouco apaixonada, para que escrever esse livro, se no final das contas você ia sentir um vazio incrível e ia querer ter alguém por quem você acordaria no domingo, por volta das 14 horas da tarde e lá pras 16h você serviria aquele misto quente com um suco de laranja, dizendo que era o café da manha, na cama, naquela bandejinha verde-cana que você quase nunca usa?

Você não ia querer escrever um livro desses.

Até porque, você já pensou no mundo de feministas que você ia atiçar a cabeça, e que iam querer te crucificar, e num domingo qualquer, lá pra 16h horas da tarde, quando você estivesse num café, tomando o seu expresso com pouco açúcar, iriam aparecer, não em grupo, graças a Deus, mas umazinha já seria suficiente para sentar na sua mesa e perguntar se você não era aquele cara que escreveu aqueles absurdos como técnicas para se conquistar uma mulher, lhe condenando a morte lenta e dolorosa por achar que todas as mulheres são iguais e que para tê-las bastava substituir o L&M Pocket do Woody Allen que você tinha sempre a mão pelo “Como conquistar um mulher em 3 passos”...

Não seria legal definitivamente, até porque você jamais iria abrir mão de ir ver o seu Bahia na Fonte, no seu sagrado domingo, como de costume às 16h horas, que é quando o sol baixa e a rodada do fim de semana se inicia em todo lugar do país.

E mesmo sem ter alguém por quem acordar no domingo para servir um café na cama, mesmo sem ter um balde de roupa suja para lavar, mesmo que naquele domingo por acaso não tenha jogo, e mesmo que você não esteja curando a sua ressaca tomando um café, caso você acorde naquele domingo às 8h da manha totalmente disposto, feliz e contente, tenha certeza que acontecendo tudo isso, às 16h da tarde você estará embriagado, já que tivera um domingo livre e bendita foi aquela caipiroska que você fez lá pelas 10h da manha, e que caiu tão bem, e que evoluiu para uma cervejinha, que te fez não almoçar, e depois do não almoço você precisava mesmo de alguma bebida já que a sua caixinha de cerveja teria acabado e você não ia pintar aquele quadro de bico seco, alias, só não pintaria ele mesmo se você caísse bêbado no sofá da sala, sem saber direito o que aconteceu e menos ainda ao acordar com a voz de Cid Moreira fazendo algum comentários fantástico e selando a sua insônia e a sua próspera péssima segunda feira.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

o grito que antecede o esporro

ai caralho

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

para explicar melhor

Diante da tela do word em branco ele já sabia que a tarefa seria muito difícil. Que teria que espremer a alma pra falar o que sentia. É por que na arte você às vezes não precisa ser tão prolixo. Às vezes se quer escrever um sentimento e se escreve. Mas a arte - já dizia uma de suas funções - é infinita. É sempre uma obra aberta, livre para interpretações. Deve ate ser por isso que é tão fácil de apaixonar por poetas. Se bem que essa máxima só funciona com os outros. Ou seria com os outros poetas mais bem afeiçoados... bom, o que importa é que quando se quer falar de um sentimento explicando ele a fundo, objetivando o que se é passado, evitando ao máximo as amigas metáforas, ai se torna um pouco mais difícil. Até por que metáforas são metáforas, e acabam por, devido a sua própria essência, se afastar do que se é realmente sentido para só depois, por analogia, se aproximar.

O fato é que o poeta havia perdido. E perdeu feio. A derrota feia para os leigos é aquela derrota em que se estava ganhando, por vezes até com sobra, mas no finalzinho a defesa falha e o que seria ótimo se torna horrível. O que era bonito se torna triste. E o que era triste se torna solidão. A solidão se transforma em wisky. O wisky muda pra cigarro, e por fim, quando se acorda se percebe que a realidade é bem pior do que o sonho que havera tido.

A musa era tão perfeita. Musa se parece com música, e das bonitas. Uma menina tão linda... cabia no abraço. Dava pra proteger como uma mulher se deve ser protegida. Até se colocar no bolso, nos momentos de confusão, quem sabe. Tão perfeita que não se deveria se desejar nada alem dela. E da família dela, e da casa dela, ninho de amor, amor de carinho, de respeito e de proteção. Engraçado até como se dava pra ser protegido, quando se é tão grande para uma musa tão pequena.

Mas o poeta perdeu. Tanto fez que ela chorou e foi embora. Abusou da regra 3, achou que o menos valia mais. E ela sumiu mesmo, desapareceu de vez. E já não adiantava chorar. Ele chorou bastante, mas se tornou ineficaz. A saudade e a esperança são lagrimas, quando na sua fase liquida. Mas já não havia esperança pra ninguém. Alem disso a saudade, que foi o que restou, se transformou em angústia e ao invés de lagrimas o que se sentia era como se existisse um ovo de avestruz entalado na garganta.

Mas o que eu queria explicar na verdade não era esse sentimento de perda. Eu queria falar de um sentimento mais bonito. Do amor. Dessa vez o poeta não poderia falar do amor sentido por ele, até por que esse amor que será explicado nas próximas linhas é um amor muito maior do que qualquer coisa que ele já sentiu.

A musa encontrou alguém. E se apaixonou denovo. Já não era uma paixão de mãe, de cuidar do filho menor. Alias foi a mãe ate que disse que era um amor maduro. Mas mesmo dizendo isso ela não deve odiar o poeta por isso. A essa altura a musa, que eu vou chamar de moça, já amava de com força. O esforço para ficar longe do poeta já quase não existia. Acho que por que o poeta sabia muito falar de amor, o que encantava a moça. Mas o poeta ainda não havia aprendido a amar daquele jeito, e por sinal, nem deve ter aprendido. Se ele não tivesse tido uma ajuda, talvez não pudesse definir tão bem aquele amor: o amor para a moça é agora sinceridade. Se já existia o amor, a transparência seria a grande responsável pelo seu crescimento e pela sua manutenção. Não é do tipo paranóia. Mania de limpeza, mania de colecionar, mania de ouvir musica, mania de fumar... a sinceridade sempre existiu para ser hábito. Nasceu assim, de repente, irmã dos sentimentos mais puros. Algumas pessoas sentem o cheiro dela, e chegam até a alcançar a sua harmonia, não por que ela é explicita, mas por que têm a super-capacidade de captarem-na no ar. E no mar e nas coisas bonitas da vida também.

E sequer bastou praquele poeta burro a carta que a moça mandou pra ele alguns anos atrás, outros a frente do rompimento. O poeta chou que era um sinal, uma coisa mágica de outro mundo (o mal dos poetas)... ficou feliz e orgulhoso, e ate respondeu. Foi preciso que a moça explicasse tempos depois, que havia escrito a carta na frente do seu amor, que a contragosto aceitou, mas entendeu a sinceridade do seu teor.

Dizia a carta, não em versos, mas em prosa, algo mais ou menos assim:

“poeta, eu hoje estou feliz a beça
O meu mundo ficou lindo
Eu colho flores nos jardins

Alem das muitas outras que eu recebo
Que você também me dava
O que faltava era o jardim”

domingo, 4 de novembro de 2007

Agonia

TOMO 1

Em algum lugar perdido em sua memória, achado pelas bandas do cacau, a uns 480 km da cidade do Salvador, nasceu uma agonia. Na verdade começou a nascer. É que o parto foi demorado, durou umas 5 horas. No começo veio aquele cheiro inebriante. Para alguns, um cheiro maravilhoso. Mas para outros ele pode ser literalmente de matar. Dentro de um Palio Weekend 1.6 foi onde ocorreu, mais precisamente. Tinham 5 pessoas dentro do carro. Na frente o pai e o filho. Atras a mãe, a empregada e o amigo. O calor que o verão trazia aumentava um pouco mais a angustia. E caso eu nao esteja conseguindo explicitá-la, saiba de uma coisa, caro leitor: a situação era atormentante. Quanto mais para um agoniado de primeira categoria, formado na Escola Superior de Virginianos Organizados e Perfeccionistas da Bahia, e doutorando em Londres pela Hurry and Agony University. Mas voltando ao assunto, a coisa ainda havia de piorar, ou seja, a agonia ainda havia de nascer. O engarrafamento na BR causado pelo feriadão deu lugar a repentina fome do lanche da tarde. Era chegada a grande hora. A mãe sacou a primeira manga e não satisfeita ofereceu a todos do carro. A reprovação da população masculina foi geral, o que não acanhou a empregada que de prontidão aceitou uma também. O amigo percebeu que estava em apuros, e quase não acreditou quando ouviu-se falar que "era uma pena que não tinha nenhuma faca ali" e que "ia ter que ser na mão mesmo"...
A primeira dentada foi obsoleta e ineficiente, o que deixou a empregada um tanto quanto irritada com a fruta, apesar de ela não ter percebido isso. Mas ficou muito evidente o fato, quando ela deu a segunda investida, agora muito mais segura e voraz, acertando uma dentada na pele firme da pobre manga, que dilacerada expeliu aquele caldo amarelo e um pouco de sua polpa, envolvido de algumas fibras que faziam parte do seu tecido interno. Um grande pedaço de seu corpo jazia na boca daquela impetuosa empregada, que apesar de estar com a mão ocupada, segurando o corpo ferido da manga, ainda assim conseguiu segurar o bife arrancado e raspar-lhe o tecido do couro com incrível mandíbula cortante. Isso me levou a crer que ja tinha uma certa experiencia e habito na pratica. Do outro lado a chacina tinha prosseguimento, e a mãe dilacerava uma outra pobre manga, que com certeza sofreu muito mais do que a manga da empregada, já que a mãe era desprovida de tanta técnica, o que provavelmente causava muito mais dor a sua vitima, muito mais rasgada e lambuzada pela sua própria seiva que antes corria organizadamente pelo seu organismo.
Junto com os pedaços das visceras espalhados por todos os lados, aquele sumo tambem habitava o ambiente. As fibras da carne estavam presas nos dentes cortantes das famintas mulheres e o quadro era aterrorizante. Cada uma ja havia partido pra outra manga o que fazia existir restos das anteriores, rasgados por uma vasilha, onde misturados, ja não se sabia de quem era a pele ou de quem era o suco. Até porque ja não importava mais naquele momento, o que restava das pobres mangas era o fortíssimo cheiro de seus cadáveres que tomava todo o ar daquele pequeno nicho biológico, composto pelas mulheres como predadoras e as mangas como presas. O terrível mal cheiro causava um mal-estar muito forte a todos presentes, menos às déspotas glutonas. Aquele aroma muito enjoado, de tão doce que era, penetrava pelas narinas dos homens, passava pela fossa nasal, e era absorvida pelas células-reconhecedoras-de-odores de seus narizes. Tamanha era a quantidade do fedor, o que não podia ser absorvido por essas células descia traqueia abaixo, e posto que era ar, não fazia distinção na glote: Parte foi pulmão adentro, deixando os alvéolos alaranjados, e parte desceu pelo esôfago, atingindo por fim o estômago que tratou imediatamente de se embrulhar todo, na tentativa de ter o menor percentual de seu tecido compartilhando tantas particulas odoríferas. Tanto foi o fedor acumulado ao longo daquele corpo, que aquele ser humano mais estava para uma manga do que para ele mesmo.
A repulsa foi em vão, pois nada faria aquele aroma ir embora. O resto da viagem foi com as cabeças masculinas debruçadas para fora do carro, reclamando do xorume, da imcompreensão e da puta sacanagem, enquanto as mulheres também resmungavam, no entanto num tom de indignação, eivado de um egoísmo imperceptível aos olhos femininos.
E assim nasceu uma agonia.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Brotas

Acho até que foi o sinal quem fez ele parar pra notar o quanto amava aquilo ali. Na Bahia a gente chama o semáforo de sinal, que é o radical de sinaleira. Mas radical mesmo era o calor que fazia. Chegara enfim a onda de calor do ínicio de outubro, mês de renovações, invadindo o ambiente; e dentro daquele carro meio frio e meio fervendo ele ouvia a meio volume “a sombra que me move também me ilumina / me leve nos cabelos, me lave na piscina / De cerda ponto claro, cometa que cai no mar / De cada cor diferente que tente me clarear / É noite que vai chegar, é claro, é de manhã, é moça e anciã...”Parado na faixa da direita pôde observar uma menina de cabelo amarrado no alto da cabeça. Eram duas amarras em um cabelo bonito: marrom e com alguns cachos volumosos, que presumiu ele que ela não gostava tanto, pra estarem presos. Deveria ter uns 10 a 12 anos e usava uma camisa falsificada do Bahia. Ah sim... ela estava parada esperando para atravessar a rua, à direita dele que estava disposto a esperá-la, grato pela alegria que ela passava, simplesmente por estar ali, coçando a cabeça com a mão esquerda e segurando a mão do seu respectivo adulto com a outra mão, a direita.Um pouco mais a frente deu passagem a um táxi que aguardava para cruzar a pista. Seria engraçado ver os 4 passageiros agradecerem, se não fosse simplesmente mágico. E seguiu seu rumo...Tanta menina bonita, diferente das que estava acostumado a ver. E a alegria agora já se espalhava mais ainda pelo seu corpo, a ponto do calor se tornar confortável e essencial. Fazia parte daquele ambiente, daquela composição que lhe causava tanto bem. Era como se quisesse viver cada detalhe daquele lugar sempre lhe deixava em êxtase, embora nunca tivesse parado pra pensar tanto a respeito. Eram as meninas dali tão bonitas. Até os buracos que eram muitos, espalhados pelo asfalto o faziam pensar o quanto o afastamento do governo daquele bairro o tornava tão mais lindo. Diziam até que lá era muito alto. Quem sabe... Sabia que as meninas de lá eram muito bonitas, meninas diferentes. Mas ele pensava nas simples, ah meninas tão simples, como queria ser simples daquele jeito pra poder entrar em vosso mundo. Mas ele tinha noção que quanto mais simples, mais complicado de ser se era...Depois até parou pra pensar que as meninas de lá, as que não eram as simples que ele estava pensando, isto é, as outras que lá viviam, de passagem ou não, também eram bonitas e diferentes.Parou, desligou o som que a essa altura cantava “Entre as estrelas do meu drama / você já foi meu anjo azul...”, comeu e dormiu um sono próprio daquele lugar. Depois acordou e viu dentro de casa uma menina daquele lugar, tão linda quanto as outras. Tinha uma tatuagem bonita... vermelha.Depois dirigiu denovo, ainda sonolento e foi ficando cada vez mais triste, a medida que se distanciava daquele lugar.