domingo, 4 de novembro de 2007

Agonia

TOMO 1

Em algum lugar perdido em sua memória, achado pelas bandas do cacau, a uns 480 km da cidade do Salvador, nasceu uma agonia. Na verdade começou a nascer. É que o parto foi demorado, durou umas 5 horas. No começo veio aquele cheiro inebriante. Para alguns, um cheiro maravilhoso. Mas para outros ele pode ser literalmente de matar. Dentro de um Palio Weekend 1.6 foi onde ocorreu, mais precisamente. Tinham 5 pessoas dentro do carro. Na frente o pai e o filho. Atras a mãe, a empregada e o amigo. O calor que o verão trazia aumentava um pouco mais a angustia. E caso eu nao esteja conseguindo explicitá-la, saiba de uma coisa, caro leitor: a situação era atormentante. Quanto mais para um agoniado de primeira categoria, formado na Escola Superior de Virginianos Organizados e Perfeccionistas da Bahia, e doutorando em Londres pela Hurry and Agony University. Mas voltando ao assunto, a coisa ainda havia de piorar, ou seja, a agonia ainda havia de nascer. O engarrafamento na BR causado pelo feriadão deu lugar a repentina fome do lanche da tarde. Era chegada a grande hora. A mãe sacou a primeira manga e não satisfeita ofereceu a todos do carro. A reprovação da população masculina foi geral, o que não acanhou a empregada que de prontidão aceitou uma também. O amigo percebeu que estava em apuros, e quase não acreditou quando ouviu-se falar que "era uma pena que não tinha nenhuma faca ali" e que "ia ter que ser na mão mesmo"...
A primeira dentada foi obsoleta e ineficiente, o que deixou a empregada um tanto quanto irritada com a fruta, apesar de ela não ter percebido isso. Mas ficou muito evidente o fato, quando ela deu a segunda investida, agora muito mais segura e voraz, acertando uma dentada na pele firme da pobre manga, que dilacerada expeliu aquele caldo amarelo e um pouco de sua polpa, envolvido de algumas fibras que faziam parte do seu tecido interno. Um grande pedaço de seu corpo jazia na boca daquela impetuosa empregada, que apesar de estar com a mão ocupada, segurando o corpo ferido da manga, ainda assim conseguiu segurar o bife arrancado e raspar-lhe o tecido do couro com incrível mandíbula cortante. Isso me levou a crer que ja tinha uma certa experiencia e habito na pratica. Do outro lado a chacina tinha prosseguimento, e a mãe dilacerava uma outra pobre manga, que com certeza sofreu muito mais do que a manga da empregada, já que a mãe era desprovida de tanta técnica, o que provavelmente causava muito mais dor a sua vitima, muito mais rasgada e lambuzada pela sua própria seiva que antes corria organizadamente pelo seu organismo.
Junto com os pedaços das visceras espalhados por todos os lados, aquele sumo tambem habitava o ambiente. As fibras da carne estavam presas nos dentes cortantes das famintas mulheres e o quadro era aterrorizante. Cada uma ja havia partido pra outra manga o que fazia existir restos das anteriores, rasgados por uma vasilha, onde misturados, ja não se sabia de quem era a pele ou de quem era o suco. Até porque ja não importava mais naquele momento, o que restava das pobres mangas era o fortíssimo cheiro de seus cadáveres que tomava todo o ar daquele pequeno nicho biológico, composto pelas mulheres como predadoras e as mangas como presas. O terrível mal cheiro causava um mal-estar muito forte a todos presentes, menos às déspotas glutonas. Aquele aroma muito enjoado, de tão doce que era, penetrava pelas narinas dos homens, passava pela fossa nasal, e era absorvida pelas células-reconhecedoras-de-odores de seus narizes. Tamanha era a quantidade do fedor, o que não podia ser absorvido por essas células descia traqueia abaixo, e posto que era ar, não fazia distinção na glote: Parte foi pulmão adentro, deixando os alvéolos alaranjados, e parte desceu pelo esôfago, atingindo por fim o estômago que tratou imediatamente de se embrulhar todo, na tentativa de ter o menor percentual de seu tecido compartilhando tantas particulas odoríferas. Tanto foi o fedor acumulado ao longo daquele corpo, que aquele ser humano mais estava para uma manga do que para ele mesmo.
A repulsa foi em vão, pois nada faria aquele aroma ir embora. O resto da viagem foi com as cabeças masculinas debruçadas para fora do carro, reclamando do xorume, da imcompreensão e da puta sacanagem, enquanto as mulheres também resmungavam, no entanto num tom de indignação, eivado de um egoísmo imperceptível aos olhos femininos.
E assim nasceu uma agonia.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito muito bom!! Inscreve em qualquer concurso que você ganha!

Anônimo disse...

Primeiro, claro, muito obrigada pelo retorno.
Segundo, eu que deveria perguntar por vc, eu estou no mesmo lugar de sempre.
Terceiro, sobre o texto: que porradão!!! Tô zonza...

Anônimo disse...

Primeiro, claro, muito obrigada pelo retorno.
Segundo, eu que deveria perguntar por vc, eu estou no mesmo lugar de sempre.
Terceiro, sobre o texto: que porradão!!! Tô zonza...