Saliente

ele era um velhinho daquele tipo que adorava quando ouvia uma música de duplo sentido. Principalmente quando era um duplo sentido sexual! Emendava as palavras na hora de falar, Deus sabe porque. Talvez por já tê-las falado tanto que o uso o fez sindi-las. Talvez porque na sua época essa era a forma certa, ou até mesmo chique de se fazer. Dizia sempre que "esse meu neto é iguala mim"...

sabia dançar arrocha, sabia dançar forró. É claro que ao seu modo, muito mas, muito mais alegre que o modo convencional - dançava sozinho, rodopiando. Era o primeiro que nas formaturas tirava a gravata e amarrava na testa, fazendo com que a legião de convidados o imitasse. Talvez se um dia você vir essa prática, ele esteja por perto. Talvez, se nessa época, ele ja nao estiver mais por perto, tenha certeza que se eu vir, irei chorar.

mas vocês talvez ja estejam imaginando que uma brasinha dessa não consegue viver sozinho, e pior: teve que escolher entre tantas que queriam domar aquele magricelinho, que naquele época não era velhinho, e com certeza era quem comandava os bailes de carnaval, nos clubes tradicionais. E a velhinha escolhida, hoje uma velhinha bem gordinha, é de fato uma brasona. As vezes o velhinho fica muito triste quando a represália dada por ela é muito forte: "Você hoje está saliente, hein?"

ela se derrete, mas faz todo o esforço do mundo, para não soltar um risinho de canto de boca, quando, no seu aniversario de nascimento ou de casamento ele recita uma poesia, em público, pescando o que outrora escreveu-apagou-escreveu no cartão comprado na Av. Sete.

mas de qualquer forma, eu acho que o velhinho não seria tão alegre e contente, e talvez ate eu diria saliente, se não existesse essa velhinha para reprimi-lo com uma cara zangada capaz de fazer o seu mundo desabar.

e foi assim que um dia ele chegou em casa, todo serelepe, contando pra empregada e pra velhinha que o seu Cd, que havia comprado para a festa junina, tinha feito o maior sucesso entre suas coleguinhas de trabalho (pois é, aos 78 anos ele ainda trabalhava na repartição). Imaginem vocês que o cd era aquela coletânia daqueles forrós mais safados, que cantavam algo do tipo "tiro o carro, boto o carro, na hora que eu quiser / que garagem apertadinha que doçura de mulher..."

o pior de tudo é que a velhinha sabia do contéudo desse cd. Sabia, e esse era só mais um dos mil outros motivos que deixava ela roxa de ciúmes daquele velhinho saliente. E não é que depois do almoço, quando ele estava se preparando para tomar um banho pra depois voltar pro trabalho, ligam de lá da repartição? A velhinha só escuta ele responder do outro lado da linha: "tá bom, tá bom... pode deixar que eu vou levar sim!". Não disse nada. Só esperou.

o velhinho entrou para tomar o seu banho-rápido, e foi o tempo suficiente para ela tirar o cd de dentro da capa, e trocar por um de Roberto Carlos, deixando depois a capa no exato local em que se encontrava.

o velhinho saiu do banho apressado, e quase ia esquecendo o cd, quando a velhinha lembrou: "não vai levar o cd não, é?". Ele só disse "Ah é!", pegou o disco e foi-se embora...

é obvio que eles não comentaram o epsódio entre si, mas tenham certeza meus amigos, que quanto mais o tempo passa, mais ele desenvolve suas técnicas de despistagem e mais ela desenvolve as delas de espionagem!

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Para Ler :: Larry Sloman - Scar Tissue: A Vida Alucinada do Vocalista dos RHCP

Para Ouvir :: Tiolinda - Zaratustra

Para Ver :: Xeque Mate