segunda-feira, 10 de setembro de 2007

a pombinha

Abriu-se o céu num azul claro, em cima; mais escuro, talvez anil, onde se podia ver o horizonte. Típico céu de verão, sem uma nuvenzinha sequer.
Por entre os galhos do cajueiro se podia ver a luz do sol rasgando as pontas das folhas e chegando forte nos olhos, que precisavam se cerrar pra se proteger. Ou será que era só pra poder ver melhor mesmo, o efeito daquele evento?
É importante salientar que isso tudo foi um sonho.
De repente se viu um passarinho branco. Posado num fio, que praticamente se enramava com as folhas do cajueiro. Fio de energia, ou fio de telefone. Fio que unia os postes daquela Pituba.
Como a oportunidade que se esperava a muito tempo e que não poderia ser jogada fora, seu tio comemora o fato e vai buscar uma espingarda. Espingarda de chumbinho, de pressão, ou como chamam, de ar comprimido. Que ironia: a marca do projétil se chama Pardal...
Ao contrário das outras vezes, o passarinho branco não voa quando se aponta a arma. Alias, ele voa sim, mas volta com uma pombinha. Pra ser mais preciso, uma rolinha. E ficam dispostos em cima do fio, so aguardando o seu destino. O passarinho branco na direita e a rolinha marrom na esquerda.
Ele sabia que a rolinha era fêmea, apesar de não saber notar a diferença. Parou, mirou na rolinha e atirou. No tiro não pôde observar se pegou.
Os passarinhos só voaram depois do barulho do gatilho. O passarinho branco – talvez um canarinho da alemanha branco – sumiu. Ja a rolinha, essa rodou no céu buscando algum lugar pra se esconder. Deu umas 3 voltas antes de cair de vez no chão, coincidentemente aos pés dele.
Inerte, ele a futucou com a ponta da espingarda. É bem certo que havia comemorado, mas agora estava abismado, com o coração apertado. Ela não esboçava movimento algum; só se podia notar a sua respiração.
Ele então largou a arma no chão, com uma violência de quem queria mesmo é que ela quebrasse naquele momento e ficasse inútil para sempre. Foi ter-se com a pombinha. Quando ele aproximou ela do rosto, não conseguiu dizer nada. Engoliu a saliva, e driblando o nó que estava em sua garganta ele murmurou “me desculpe”...
Depois de algum momento em silêncio em retornou a palavra: “eu não queria te matar”. A menina em seus braços chorava, temendo a morte. Era tão linda. Cabelos marrons, nem claro nem escuro. A pele bem branca. O corpo totalmente nú, e os cabelos longos estavam um pouco molhados pelo suor do medo.
A princípio não quis perdoar e disse que tinha ódio dele. Ele com ela nos braços, mole e sem movimento, tinha o seu peito cada vez mais apertado. Pediu desculpa outra vez, so que dessa vez nem ele mesmo tinha certeza se havia o feito com palavras.
A menina, que não tinha mais do que 18 anos, sorriu. Riu com muito medo da morte, e disse: “vai ficar tudo bem, mas nao me deixe sozinha... fique aqui comigo”. Ela apertou o braço dele bem forte, e pela força ele pode notar que ela ainda resistia. Com ela debruçada sobre o seu ombro ele pode notar o tiro. Viu um furo na porção canhota das suas costas, com um sangue pisado, porem a ferida estava totalmente limpa. O abraço era tão forte e tão sincero.
Ele correu com ela nos braços e foi consultar seu pai: era medico. Quando chegou aonde estavam todos, foi metralhado por multiplos olhares, todos recriminantes. O unico olhar diferente era o de seu pai. Eram seus primos e alguns amigos. Ninguém queria ver aquela pomba agonizante, tirando o sossego e a paz que habitava aquela varanda. Acho até que ele ouviu alguém dizer: “tira esse negoço daqui...”.
Mas o olhar de seu pai, apesa de contrariado, era de compaixão. Sabia exatamente o que estava sentindo o seu filho naquela hora. Com uma baguete de pão improvisou uma maca e pediu para que colocasse a criatura em cima.
Foi então que ele sentiu o abraço desapertar devagarzinho e a linda voz mais baixinho ainda dizer: “nao me deixe...”

Aí depois eu acordei.

Um comentário:

Anônimo disse...

Por acaso passei por aqui e fiquei feliz em ver que você voltou a escrever! Lindo texto! Escreve sempre!